As discussões sobre a formação médica, além de se voltarem para a
revisão dos conteúdos curriculares, também vêm repensando as metodologias de
ensino no sentido de torná-las mais adequadas ao perfil do profissional que se
quer formar.
A concepção da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), do original
Problem-based Learning (PBL), vem se destacando como proposta metodológica que
pode responder aos anseios de mudança curricular dos cursos de Medicina no País
e no cenário mundial. O debate em torno da ABP é longo. Há mais de 30 anos tal
proposta vem sendo implementada, avaliada, criticada e defendida. A utilização
dessa concepção pedagógica nos cursos de Medicina no mundo inteiro tem como
referência as ideias originais de Barrows e Tamblyn.
Perrenoud, por exemplo, ao tratar a clínica como o momento da construção
de saberes, de certa forma, retoma esse modelo pedagógico para analisar a
formação médica, regida por uma lógica que tenta romper com o acúmulo mecânico
de informações propedêuticas antes da inserção dos futuros profissionais
médicos em atividades da prática profissional. Segundo esse autor, na ABP, a
formação ocorre por meio da resolução de problemas estruturados pelos
professores para que os alunos, pouco a pouco, construam o conhecimento necessário
à resolução de problemas reais no futuro.
No modelo pedagógico norteado pela ABP, busca-se, principalmente,
fornecer ao estudante condições de desenvolver habilidades técnicas, cognitivas
e de atitude aplicáveis tanto para o cuidado dos pacientes, quanto para a
manutenção da postura de estudar para aprender pelo resto da vida profissional.
Nesse modelo, em que o foco do processo educativo está centrado no estudante,
estimula-se a capacidade de autoformação, fomentada pela busca ativa de informações.
O estudante é estimulado a construir ativamente sua aprendizagem, articulando
seus conhecimentos prévios com os de outros estudantes do grupo, para a
resolução de problemas selecionados para o estudo, visando ao desenvolvimento
do raciocínio crítico, de habilidades de comunicação e do entendimento da
necessidade de aprender ao longo da vida.
Essa proposta pedagógica vem sendo avaliada por estudos e pesquisas de
vários países, num amplo debate comparativo com o currículo tradicional de
Medicina. A análise desses estudos pode servir como ponto de partida para o
debate sobre as mudanças metodológicas a adotar para tornar os cursos de
Medicina mais adequados às diretrizes curriculares do país. Esse debate pode
tanto beneficiar a formação do médico, quanto contribuir para que se repense
sobre a forma de inserção desse profissional na área da saúde.
Comparando-se o ABP com o método Tradicional de ensino, quanto a várias
competências e habilidades não houve diferença estatística significativa entre
os resultados dos dois tipos de curso.
No que se refere aos resultados positivos dos cursos com ABP, observa-se
que os graduandos se sentiram mais preparados ou foram avaliados mais
positivamente por seus supervisores do que os graduandos dos cursos
tradicionais, principalmente, na dimensão social. Nessa dimensão, destacam-se
de forma recorrente as competências de comunicar-se de forma eficiente, de
efetivar relacionamento interpessoal, de lidar com pacientes de culturas
diferentes, de levar em conta os aspectos psicossociais no adoecimento e no
tratamento, de atuar em equipe e de lidar com questões éticas. Koh et al, com
base em suas revisões sistemáticas, constatam que a ABP desenvolvida nas
escolas de Medicina tem efeitos positivos na competência médica após a
graduação, principalmente na dimensão social.
No caso do conjunto dos resultados dos cursos de ABP mais bem avaliados
que os cursos tradicionais destacam-se também competências relacionadas à
prevenção de doenças e promoção da saúde e a compreensão da articulação entre a
atenção primária e o hospital. Essas competências, de certa forma, contribuem
para que a atuação médica não se reduza à intervenção nem ao sistema
hospitalar. Na revisão sistemática de Koh et al, essas competências,
classificadas por esses autores na dimensão social, foram avaliadas mais
positivamente nos cursos de ABP do que nos de currículo tradicional.
Ainda em relação aos resultados mais positivos nos cursos de ABP do que
nos de currículo tradicional, destacam-se capacidades pessoais mais
evidenciadas em termos de estudo, autoaprendizagem e busca por conhecimento,
maior iniciativa, maior facilidade em lidar com a crítica e com limites
pessoais, melhor aceitação das responsabilidades, maior capacidade de lidar com
a incerteza, e melhor modo de cuidar da saúde pessoal, bem como do bem-estar.
Entre essas capacidades, foram classificadas como de forte nível de evidência
nos cursos de ABP por Koh e colaboradores, as capacidades de responsabilidade,
de lidar com a incerteza, com a saúde pessoal e com o bem-estar.
Quanto às competências técnicas que envolvem habilidades médicas
específicas, cinco foram apontadas com avaliações mais vantajosas nos cursos de
ABP do que nos de currículo tradicional em mais de um estudo: realização de
história clínica, diagnóstico físico e prescrição, compreensão de princípios de
medicina baseada em evidência, uso da informática como ferramenta da pratica
médica, realização de sutura e uso do eletrocardiograma. Dessas competências,
foram classificadas como de forte evidência na revisão sistemática de Koh et al
as seguintes: diagnóstico exato, compreensão de princípios de medicina baseada
em evidência e uso do eletrocardiograma.
Em relação às capacidades que não mostraram diferenças significativas
entre os cursos de ABP e os de currículo tradicional, as de maior concordância
entre os estudos foram: lidar com as próprias limitações, usar laboratório e
outros serviços de diagnóstico, elaborar registros exatos, realizar ressuscitação
cardiopulmonar e uso da oxigenoterapia com segurança.
Ainda quanto a diferenças estatisticamente não significativas entre o
curso com ABP e o de currículo tradicional, destaca-se o achado do estudo de
Distlehorst et al, que não encontrou diferenças na primeira e segunda fase do
Exame de Licença Médica dos Estados Unidos. Isto significa que o novo formato
de formação médica, embora não tenha resultados superiores aos do formato
tradicional, não pesou negativamente na certificação profissional de seus
egressos.
Por último, observa-se que em três estudos os cursos com ABP tiveram
resultados mais negativos do que os cursos tradicionais, nos seguintes quesitos
de avaliação: conhecimentos em fisiopatologia, comunicação, envolvimento
emocional, entendimento do processo da doença e diagnóstico, tomada de decisão
e tratamento (incluindo prescrição).
Observa-se que a utilização da Aprendizagem Baseada em Problemas nas
escolas de Medicina tem efeitos positivos após a graduação, principalmente no
que se refere às competências da dimensão social. Entretanto, para uma
validação mais apurada dos resultados dos estudos analisados, seria importante
ter acesso a uma reflexão acerca dos fatores de processo que poderiam ter
influenciado os resultados, uma vez que o entendimento e a implementação da ABP
possivelmente variam de curso para curso, e até de país para país.
Além disso, é preciso focalizar o que aconteceu ao longo dos cursos para
compreender e comparar as características de estudantes cujas atitudes
melhoraram ou declinaram durante a formação.
Somado a isso, é preciso haver uma avaliação mais aprofundada dos efeitos
desse modelo de formação, pois seria importante comparar o cotidiano da prática
dos graduandos com o cotidiano da prática profissional dos egressos dos cursos
tradicionais.
Capítulo 2 na próxima postagem.
Capítulo 2 na próxima postagem.
Dr. Saúde.

Nenhum comentário:
Postar um comentário